17 de fevereiro de 1.964, meu primeiro dia de aula como
Substituta Efetiva na Rede Oficial de Ensino, e como Regente de uma Escola de Emergência.
O que era uma Escola de Emergência? Era uma escola situada na zona rural, onde
o professor deveria morar e permanecer a semana toda. Não podia viajar. Recém-formada,
isto só foi possível pela minha nota de conclusão do Curso Normal. Reuni tudo
que precisava, e sem conhecer absolutamente nada daquela nova realidade, no dia
determinado, estava a postos. A única condução que meu pai tinha era um
caminhão, e foi nele que me levou. Era uma segunda- feira, chovia muito. A
estrada era de terra, o caminhão patinava, demorou muito para chegar. Quem nos
recebeu foi um dos donos da Fazendinha, o Seu Diogo Martins. De ascendência
espanhola, vendo uma professora tão jovem, ele deve ter pensado que eu não
daria conta do recado e tratou logo de colocar os pingos nos “is”. Meu pai
conversou o que precisava e, para meu desespero, me deixou lá.
Por que desespero? Porque era a primeira vez na vida que eu
estava deixando a casa de meus pais, para morar em outro lugar, com uma família
que eu jamais ouvira falar. Os desígnios de Deus são insondáveis. Jamais podia
imaginar quanta felicidade estava reservada para mim ali. Encontrei no Seu Diogo e na sua família, todo
o apoio que precisava. Aos poucos, ele foi me conhecendo e eu ganhando a sua
confiança. Um traço marcante de sua personalidade era a conversa fácil. Era de
pequena estatura, muito magro, porém, muito perspicaz. Inteligência aguçada,
discutia qualquer assunto. Quando começava a falar das famílias de Lençóis,
ficava admirado por eu não conhecer todo mundo. Dona Palma, sua esposa, era
muito quieta. Raramente falava alguma coisa. Era muito enérgica, muito
prendada. Seu Diogo teve cinco filhas mulheres. Conheci todas. A mais velha,
Edite, já era casada na época, e tinha uma filha. Morava num sítio próximo.
Quem não conhece a ALICE DO GILDO? Alice era sua filha, portanto, neta de Seu
Diogo. Nega era outra filha casada, mas morava no mesmo local. Paulo, Renatinho
e Marlene eram seus filhos. Nega era casada com Seu Aurélio Biazi. As outras
filhas eram solteiras: Tarcila, Emília e Maria Ocléris. Era interessante notar
como tudo funcionava naquela casa. Cada uma das filhas tinha tarefas bem
definidas. Lembro-me da Emília descendo na mina com a trouxa de roupa para
lavar logo de manhãzinha. Ali pelas dez horas, o varal já estava cheio.
Enquanto isso, Tarcila limpava a casa. A mãe era poupada desses serviços
pesados. Dona Palma cuidava das refeições. Na casa havia uma despensa. Nela
estava a provisão para a família. A carne de porco conservada na banha, a
fornada de pão e os demais mantimentos. Da horta vinham os legumes, as
verduras, isto sem falar das frutas do pomar. Mas o que me dá água na boca é me
lembrar do vinagre feito da garapa fermentada. Não preciso dizer que fui muito
feliz em ser acolhida por esta família. Durante a semana, era a minha casa.
Ao lado de Seu Diogo,
morava seu irmão, Seu Paschoal. Tinha uma família numerosa. As meninas ajudavam
a mãe nos serviços domésticos e os homens no engenho e na plantação de fumo. Eu
conhecia muito bem um engenho. Os Boso foram famosos nesse ramo. Porém, a produção
de fumo, eu não conhecia. Era lá, na casa de Seu Paschoal, que acontecia a
destala das folhas, o processo de secagem e posterior processamento dos rolos
de fumo. Esse fumo era consumido pela família. Não lembro se era vendido
também.
O sonho de Seu Diogo era morar na cidade. Construiu uma bela
casa e se mudou para Lençóis. Nega, Aurélio e seus filhos ficaram lá e passaram
a morar na casa deixada pelo pai. No ano seguinte, voltei a lecionar na
Fazendinha e permaneci morando na mesma casa, agora com a família de uma das
filhas do Seu Diogo.
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