sábado, 13 de setembro de 2014

O ESQUELETO DA JÚLIA

Fizemos o Curso Normal em uma sala adaptada. O prédio do Virgílio já se tornava pequeno para o grande número de alunos. Ocupamos o laboratório. Nele havia uma grande bancada azulejada, com pia, própria para experiências nas aulas de ciências, física, química. Nunca experienciamos nada. O mais divertido de tudo era a presença da Júlia, um esqueleto humano, que de dentro de um armário da sua altura, ficava o tempo todo assistindo às aulas conosco. Se fosse só isso não teria importância. Medo não tínhamos, o cômico era o que os futuros professores conseguiam fazer com ela. As meninas, geralmente, ocupavam as carteiras da frente. Os meninos gostavam de ficar mais para trás. Quando podiam, colavam nas provas. Aprontavam muitas artes. Mas por incrível que pareça, nunca eram flagrados. A arte mais engraçada era praticada com a Júlia, o esqueleto humano. A porta do armário onde ficava era de vidro. A arte começava com uma linha de anzol, um fio de nylon, portanto, transparente, que era amarrado nas extremidades de suas mãos ou de seus pés. Este fio era levado até as carteiras de trás onde sentavam os arteiros. Eles escolhiam a dedo o momento de puxar o fio e fazer a Júlia bater no vidro. Geralmente, era quando reinava silêncio absoluto. O toc-toc da mão da Júlia no vidro fazia a classe desabar de tanto rir. Nunca pegaram os malandros. Não me lembro de nenhum castigo, a não ser as broncas leves de S. Mário. Brincadeiras saudáveis. Quanto à Júlia, teve um final feliz. Hoje descansa em paz. Eu estava um dia no cemitério Paraíso da Colina, quando o Orlando, professor de Geografia, chegou do meu lado e perguntou se eu me lembrava da Júlia. Respondi que sim. Venha, vou lhe mostrar o que fizeram com ela. Júlia havia ganhado um jazigo e sido enterrada com toda dignidade. Descanse em paz, Júlia, e nos desculpe por tudo que fizemos com você!

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